JURAMENTO OFICIAL DO CURSO DE ENFERMAGEM Juro dedicar minha vida profissional a serviço da humanidade, respeitando a dignidade e os direitos da pessoa humana, exercendo a Enfermagem com consciência e dedicação, guardando sem desfalecimento os segredos que me forem confiados. Respeitando a vida desde a concepção até a morte... mantendo elevados os ideais da minha profissão, obedecendo os preceitos da ética e da moral, preservando sua honra, seu prestígio e suas tradições
domingo, julho 31, 2011
Ensino de Imunologia na Educação Médica:
Ensino de Imunologia na Educação Médica:
Lições de Akira Kurosawa
Teaching Immunology in Medical Education:
Lessons from Akira Kurosawa
Rodrigo Siqueira-BatistaI
Andréia Patrícia GomesII
Verônica Santos AlbuquerqueIII
Rodrigo Madalon-FragaI
Ana Maria Coutinho AleksandrowiczIV
Mauro GellerI
PALAVRAS-CHAVE
– Imunologia.
– Educação médica.
– Modelo Imunológico.
RESUMO
O ensino e a investigação no campo da Imunologia se inscrevem, prevalentemente, num paradigma
marcial – ou belicoso –, segundo o qual as interações hospedeiro-microrganismo são vistas de acordo
com uma concepção de processos de ataque-defesa. Uma vez que este saber é tradicionalmente abordado
nos cursos de graduação da área de saúde, tal perspectiva tem evidente influência na formação destes
profissionais, incluídos os médicos. No presente artigo, reflete-se sobre as questões pedagógicas relativas
ao modelo ataque-defesa. Realizou-se uma pesquisa teórica, utilizando-se o seguinte método: (1) revisão
crítica da literatura, com textos obtidos nos livros e nos capítulos de livros de Imunologia; (2) leitura
crítica dos textos; (3) elaboração de síntese reflexiva sobre o tema. Identificou-se que o modelo marcial
da Imunologia se apresentou hegemônico nos livros-texto consultados, estando inscrito em idêntica concepção
teórica inerente à medicina ocidental, ajudando a compor a visão dos estudantes dos cursos de
graduação e pós-graduação e dos trabalhadores da área de saúde. É possível buscar alternativas, inclusive
possibilidades para pensar a Imunologia em termos de novos modelos, em termos de homeostase e
interdependência (ambos delimitando um paradigma ecológico), talvez mais propícios à abordagem das
questões que ora se impõem nos seus horizontes, com inquestionáveis efeitos na educação.
KEYWORDS
– Immunology.
– Medical education.
– Models Immunological.
ABSTRACT
Teaching and research in the field of Immunology adhere predominantly to a military or warlike paradigm,
according to which the host-microorganism interactions are viewed from the perspective of attackand-
defense processes. Since such knowledge is traditionally addressed in undergraduate health courses,
this perspective has an obvious impact on the training of future health professionals, including physicians.
The current article reflects on the pedagogical issues pertaining to the attack-and-defense model. A
theoretical inquiry was conducted according to the following method: (1) critical review of the literature,
with texts obtained from books and book chapters on Immunology; (2) critical reading of the texts; and (3)
elaboration of a reflexive synthesis on the theme. The military model of Immunology is hegemonic in the
textbooks, consistent with the identical theoretical concept that is inherent to Western medicine, helping
condition the views of undergraduate and graduate students and future health professionals. It is possible
to seek alternatives, including possibilities for conceiving Immunology in terms of new models, including
homeostasis and interdependence (both shaping an ecological paradigm), potentially more amenable to an
approach to the issues now on the horizon, with undeniable effects on medical education.
Recebido em: 14/04/2008
Reencaminhado: 15/06/2008
Aprovado: 18/06/2008
I Centro Universitário Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro, Brasil; Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis, Rio Janeiro, Brasil.
II Centro Universitário Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro, Brasil; Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
III Centro Universitário Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro, Brasil.
IV Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA
186 33 (2) : 186–190; 2009
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA
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Rodrigo Siqueira-Batista et al. Ensino de Imunologia na Educação Médica
INTRODUÇÃO
A ciência pode ser concebida como a atividade humana
que tem na (tentativa de) descrição da realidade um dos aspectos
cruciais do seu saber-fazer1. De fato, a atividade científica
diz respeito ao
[...] conjunto de conhecimentos e de pesquisas
com grau suficiente de unidade e generalidade,
suscetíveis de levar [...] a conclusões concordantes
que não resultam de convenções arbitrárias
nem de gostos ou interesses individuais [...] mas,
sim, de relações objetivas que se descobrem gradualmente
e que se confirmam por métodos de
verificação definidos. (p.278)2
Entre as diferentes perspectivas de concepção dos processos
de construção histórica da ciência está a ideia de descontinuidades/
rupturas entre suas teorias e seus métodos, como
proposto por Thomas Kuhn no conceito de paradigma3, âmbito
no qual se consubstanciam “realizações científicas universalmente
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de
praticantes”. (Kuhn3 2006)
Nestes termos, o paradigma representa uma matriz disciplinar,
composta por teorias, leis, técnicas e hipóteses, a qual
subjaz à atividade de pesquisa científica, norteando-a e legitimando-a.
A Imunologia, como disciplina científica, tem se constituído
em torno de um paradigma caracterizável como predominantemente
“marcial”, “belicoso” ou “beligerante”, segundo
o qual as interações hospedeiro-microrganismo são vistas
segundo uma concepção de processos de ataque-defesa – ou
seja, uma narrativa sobre a guerra inter e intraorganismos –,
em que se estabelecem os termos de um discurso capazes de
constituir uma genuína cosmovisão:
Os vocabulários nunca são neutros. As coisas
que são incluídas em um vocabulário passam a
compor uma realidade familiar; aquelas que são
deixadas de fora são ignoradas ou chegam a ter a
sua existência negada. Além disso, um vocabulário
oferece uma versão de como o mundo funciona
e por quê. (p. 70-71)4
Tais ideias têm impacto nos âmbitos epistemológicos e
pedagógicos da disciplina – como pontuado em investigação
preliminar sobre o assunto5 –, com decisiva ingerência na formação
médica6.
Com base nestas considerações, o presente artigo tem por
escopo (1) apresentar o paradigma marcial da Imunologia a
partir de sua identificação em livros-texto da disciplina; (2)
discutir possíveis alternativas a este modelo; (3) pontuar as
consequências destes debates sobre a formação médica.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa teórica apoiada na revisão crítica
da literatura. A primeira etapa consistiu na busca de textos, utilizando-
se a consulta a livros e a capítulos de livro de Imunologia.
Busca complementar foi realizada nas seguintes bases: BVS
– Biblioteca Virtual em Saúde; Pubmed – U. S. National Library
of Medicine; e Scielo – Scientific Eletronic Library Online.
A segunda etapa consistiu na leitura dos manuscritos e
na identificação de suas ideias centrais à luz da concepção de
paradigma marcial.
Na terceira e última etapa, construiu-se uma síntese reflexiva
sobre o tema, cujas conclusões são aplicáveis no âmbito
da educação na área médica.
RESULTADOS
Foram consultados nove livros e dois capítulos de livros7-17.
Os textos da Imunologia estão, em grande medida, inscritos
no paradigma marcial – ou belicoso –, como explicitado
no Quadro 1.
As citações “falam por si mesmas”: vive-se numa terrível
guerra – cuja metáfora seria Ran de Kurosawa18 –, vencida por
aquele que dispuser das melhores armas: os “invasores” (em
geral, microrganismos), eventualmente os “rebeldes” (como
as células neoplásicas) ou os “invadidos” (habitualmente seres
vivos multicelulares, incluído o Homo sapiens sapiens).
DISCUSSÃO
O modelo marcial da Imunologia é uma das manifestações
de idêntica concepção teórica inerente à medicina ocidental
– como, por exemplo, nas consagradas expressões propedêutica
armada e arsenal terapêutico. Em última análise, representa
uma leitura deveras empobrecida, pois reduz a diversidade e
complexidade do sistema imunológico (SI) a simples relações
causais, nas quais cabe ao hospedeiro tão-somente se proteger
das bárbaras invasões (microbianas) ou das rebeliões internas
(tumorais). Tal perspectiva acaba por infestar – para se manter
no vocabulário vigente – a compreensão dos estudantes de
Medicina, fazendo-os crer que microrganismos são inimigos
que precisam ser vencidos por linfócitos e anticorpos – às vezes,
com reforços dos antimicrobianos19 –, genuínos soldados
e armas. Trata-se, pois, de uma lídima metáfora bélica, com
importantes consequências:
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QUADRO 1
Excertos de textos de Imunologia inscritos no paradigma marcial7-17
Autor(es) Ano Livro-Texto Trecho Selecionado
LIVROS
Abbas e colaboradores7 2003 Imunologia celular e molecular
A imunidade inata proporciona as linhas iniciais de defesa
contra os microrganismos.
Balestieri8 2006 Imunologia
Se olharmos para o nosso corpo, também apresentamos
duas muralhas de proteção: a pele a as mucosas representariam
a primeira muralha, e o tecido abaixo da pele e das
mucosas, a segunda.
Doan e colaboradores9 2006 Imunologia médica essencial
O sistema imunológico protege constantemente o indivíduo
contra a invasão microbiana. Basicamente, existe um
constante estado de guerra entre os patógenos e o hospedeiro, e o
sistema imunológico é responsável pela defesa do corpo contra
a ameaça de ataque patogênico.
Levinson e Jawetz10 2005 Microbiologia médica e imunologia
A principal função do sistema imunológico é prevenir ou
limitar infecções causadas por microrganismos como bactérias,
vírus, fungos e parasitas. A primeira linha de defesa
contra os microrganismos é a pele intacta e as membranas
mucosas. Se os microrganismos romperem essa linha e entrarem
no corpo, então o ramo inato do sistema imune está
disponível para destruir os invasores.
Peakman e Vergani11 1999 Imunologia básica e clínica
Em biologia, o encargo é a doença – causada por uma variedade
de vírus, fungos, bactérias, protozoários, vermes e
toxinas –, e o papel fisiológico do sistema imune é mantê-los
em xeque.
Roitt e colaboradores12 1999 Imunologia
Como a maioria dos organismos, em última análise, é destruída
pelos fagócitos, não é de surpreender que estes organismos
tenham desenvolvido um arsenal de mecanismos para se
contraporem a este risco.
Roitt e Delves13 2004 Fundamentos de imunologia
A IgA aparece seletivamente nas secreções seromucosas,
como saliva, lágrimas, líquidos nasais, suor, colostro e secreções
do pulmão, tratos genitourinário e gastrintestinal,
onde ela claramente possui o trabalho de defender as superfícies
externas expostas do organismo contra o ataque por microrganismos.
Sharon14 2000 Imunologia básica
A relação entre o sistema imunológico e os patógenos ou
substâncias estranhas prejudiciais pode ser considerada
como uma guerra sem fim.
Stites e colaboradores15 2000 Imunologia médica
Se algum patógeno (isto é, qualquer microrganismo com
o potencial de causar lesão tecidual ou doença) conseguir
abrir uma brecha no organismo, irá deparar-se com uma panóplia
de outros fatores que defendem os tecidos internos.
CAPÍTULOS DE LIVROS
Goronzy e Weyand16 2005 Cecil Tratado de medicina interna
Se os microrganismos invasores conseguirem escapar dos
mecanismos de defesa, a imunidade adquirida garante a
sobrevivência do hospedeiro. As respostas imunológicas
adquiridas dependem da suplementação, da amplificação
e de informações cruciais quanto à natureza do agressor, proporcionadas
pela imunidade natural.
Haynes e Fauci17 2002 Harrison Medicina interna
O sistema imune humano evoluiu durante milhões de anos
de organismos invertebrados e vertebrados para desenvolver
mecanismos de defesa sofisticados altamente específicos
contra patógenos invasores.
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Metáforas podem criar realidades para nós, especialmente
realidades sociais. Uma metáfora pode,
então, ser um guia para ação futura. Tal ação,
obviamente, corresponderá à metáfora. Isto, por
sua vez, reforçará o poder da metáfora de tornar a
experiência coerente. Neste sentido, as metáforas
podem ser profecias que validam a si mesmas.20
Ao se validar a si mesma, a metáfora da guerra – constituinte
do paradigma marcial – acaba por se tornar “real”,
perpetuando a inscrição no modelo, uma vez que estes estudantes,
assim como os outros das áreas de saúde e de ciências
biológicas, serão os imunologistas de amanhã.
Estará, então, a “guerra perdida”? Provavelmente não. De
fato, a despeito deste panorama, há autores que questionam o
modelo vigente:
Quando dizemos que o sistema imune nos defende,
identificando e eliminando materiais estranhos,
em meio aos componentes do corpo, estamos
usando, deliberadamente ou não, uma metáfora.
Não existe uma entidade inteligente planejando
e desenvolvendo estratégias defensivas contra
invasores antigênicos no meio do sistema imune.
As modificações, que o sistema atravessa, surgem
como decorrências inevitáveis de sua estrutura celular
e molecular. Tais mudanças estruturais ocorrem
como se o corpo se defendesse e, usualmente,
resultam na eliminação de materiais estranhos
sem causar danos excessivos à estrutura do organismo.
Mas elas não derivam de um planejamento
da defesa. A defesa não é intencional.21
A citação de Vaz e Faria21 traz apontamentos para se pensar
novos modelos de compreensão do sistema imunológico a
partir de concepções presentes na literatura desde a década de
196022,23. Com efeito, esforços têm sido envidados na proposição
de paradigmas alternativos, abrindo possibilidades para
uma possível transição paradigmática na Imunologia24,25, cujos
padrões de compreensão enfatizariam: (1) a imunidade concomitante22,23;
(2) o funcionamento em rede – por exemplo, no
caso das sinapses imunológicas26,27; (3) a auto-organização28;
(4) a homeostase29; (5) as relações ecológicas30,31.
Esta transição paradigmática anunciada pode trazer reais
implicações à educação médica, especialmente na vertente ecológica,
na medida em que, de acordo com Capra32, é inerente
à ecologia fazer perguntas profundas a respeito dos próprios
fundamentos da cosmovisão vigente, questionando modelos
com base num ponto de vista relacional: a partir da perspectiva
dos relacionamentos de todos os seres com as gerações futuras
e com a teia da vida da qual se é parte. Assim, pois, é admissível
pensar que o ensino de Imunologia, tal qual o de outras
ciências inter-relacionadas – Bacteriologia, Virologia, Micologia,
Parasitologia, por exemplo –, sob a égide do paradigma
ecológico, favoreceria uma formação mais integral e reflexiva,
considerando a complexidade dos fenômenos estudados.
Nesse contexto, deve se ressaltar a possibilidade de ampliar
a compreensão – e delinear possíveis respostas – de significativos
desafios contemporâneos, como o surgimento de
doenças emergentes e reemergentes, o desenvolvimento de
resistência bacteriana aos antimicrobianos e a modulação de
fatores de virulência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A transição do paradigma marcial da Imunologia é não
apenas pensável, mas também possível, podendo se obter
indícios de que novos modelos já se encontram em gestação.
De fato, paradigmas alternativos, de tessitura ecológica, nos
quais é afirmada a complexidade das inter-relações entre os
seres vivos, vêm ganhando espaço, ainda que de modo bastante
preliminar, no âmbito da Imunologia. Nestas situações,
a destruição de um ou de ambos os seres vivos relacionados
ou sua convivência por anos a fio – observada, amiúde, nas
infecções por Schistosoma mansoni e por Trypanosoma cruzi, por
exemplo –, passariam a ser vistas como possibilidades dentre
uma miríade de desenlaces possíveis.
Estas reflexões poderão contribuir para a elaboração e o
ensino de modelos mais fecundos à compreensão dos sistemas
vivos, contexto cujas implicações na educação médica são profundas.
Esse novo horizonte – menos beligerante e talvez mais
dirigido a entender a resposta imune como busca do equilíbrio
perdido, algo que permeia Rapsódia em agosto, também de
Kurosawa18 –, será, provavelmente, mais propício à formação
de médicos mais aptos à solvência dos diferentes problemas
colocados no âmago da disciplina.
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32. Capra F. A teia da vida: uma nova compreensão científica
dos sistemas vivos. 6.ed. São. Paulo: Cultrix; 2001.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Rodrigo Siqueira-Batista concebeu, originalmente, o presente
artigo. Ato contínuo, trabalhou, lado a lado, com Andréia
Patrícia Gomes, Verônica Santos Albuquerque, Rodrigo Madalon-
Fraga, Ana Maria Coutinho Aleksandrowicz e Mauro
Geller para a preparação da versão final do texto.
CONFLITO DE INTERESSES
Declarou não haver
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Rodrigo Siqueira-Batista
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio de Janeiro.
Rua Lucio Tavares, 1045
Centro – Nilópolis
CEP.: 26530060 RJ
E-mail: rsiqueirabatista@terra.com.br
FONTE:http://www.scielo.br/pdf/rbem/v33n2/04.pdf
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